Caroline Foreman
Word on fire, 30 de Maio de 2025
“Ela foi firme quando a estabilidade era desconhecida e honrada numa época que se tinha esquecido do que era a honra; ela tinha convicções inabaláveis numa época em que os homens não acreditavam em nada e troçavam de todas as coisas; ela foi invariavelmente fiel a uma época que era falsa até à medúla; ela manteve a sua dignidade pessoal intacta numa era de lisonja e servilismo; Ela era de uma coragem intrépida quando a esperança e a valentia tinham perecido nos corações da sua nação. — Mark Twain”
Morreu envolta em fumo e chamas e permanece para sempre envolta numa névoa de místicismo sobrenatural. Joana d Arc cativou a imaginação artística sendo tema para óperas, romances, pinturas, peças de teatro, filmes e muito mais. Mark Twain apelidou-a de "de longe a pessoa mais extraordinária que a raça humana jamais produziu". Cada geração transpõe a identidade de Joana d’Arc para a adequar aos seus próprios corações, mas, ainda assim, é quase impossível para as nossas sensibilidades modernas compreender a inabalável devoção que Joana d’Arc tinha à sua missão. A sua curta vida foi certamente bem vivida. Inquebrável, firme, inflamada, determinada, motivada. Corajosa.
Joana d Arc nasceu em Domrémy, por volta do ano 1412, numa aldeia perto de Lorena, no nordeste da França. O pai era agricultor, e a mãe ensinou a filha a costurar, fiar lã e a cuidar dos animais, ao mesmo tempo que lhe incutiu uma fervorosa fé católica.
Em 1420, a França estava envolvida no que mais tarde ficaria conhecido como a Guerra dos Cem Anos. Henrique V, de Inglaterra, tinha alcançado vitórias militares significativas, colocando-o numa posição de destaque ao negociar o Tratado de Troyes, que estipulava que o rei Henrique V e os seus herdeiros herdariam o trono francês após a morte do rei francês Carlos VI, que sofria de instabilidade mental. O tratado uniria, efetivamente, a Inglaterra e a França sob um único governante, mas, com ele, o delfim francês, Carlos de Valois, seria deserdado pelo seu pai, Carlos VI. Carlos de Valois, fugiu e estabeleceu a sua própria corte na França central.
Muitos habitantes de Domrémy foram obrigados a abandonar as suas casas após a sucessão do filho do rei de Inglaterra, Henrique VI. Era evidente que a paz só seria alcançada quando os ingleses e os seus aliados borgonheses fossem expulsos do território.
Um dia, enquanto trabalhava no jardim, Joana, de treze anos, foi surpreendida por uma luz ofuscante que revelou ser o arcanjo Miguel, juntamente com as santas mártires Margarida de Antioquia e Catarina de Alexandria. Contaram a Joana que tinham sido enviadas por Deus para a informar da sua missão divina de liderar um exército para expulsar os ingleses de França e coroar Carlos de Valois rei, na Catedral de Reims. O terror transformou-se em resolução quando a jovem Joana aceitou esta missão incomparável para salvar o seu país. Ela acolheu-a com a mesma pronta confirmação da Theotokos: "Faça-se em mim" (Lucas 1:38) e continuaria a ouvir vozes celestes durante toda a sua vida. Oremos pela coragem que necessariamente se estende para além da nossa compreensão, a fim de alcançarmos a verdadeira liberdade, somente possível pela confiança em Deus e no impulso altruísta para cumprir com as nossas missões terrenas.
Joana D Arc fez um voto de castidade antes de viajar para Vaucouleurs em busca de uma escolta para Chinon, onde Carlos de Valois estava destacado. Ela explicou: "Não temais: o que faço, faço-o a mandato.” Os meus irmãos no Paraíso dizem-me o que devo fazer." Em Valcouleurs a guarnição ficou impressionada pela braveza da sua devoção à missão de Deus e acreditaram que ela era a virgem das fronteiras da Lorena, profetizada para salvar a França. Obteve finalmente passagem, acompanhada por dois cavaleiros, no perigoso caminho através do território inimigo até Chinon. Como medida de proteção, cortou o cabelo e vestiu-se como um homem, com roupas doadas pelos habitantes da cidade.
O delfim Carlos ouvira falar de Joana e da sua missão divina. Para a testar quando chegasse, ele e um dos seus cortesãos trocaram de identidade, mas Joana conseguiu identificar, de imediato, o verdadeiro delfim no meio da multidão. Intrigado, Carlos concedeu a Joana uma audiência privada, e esta convenceu-o a dar-lhe um exército para conduzir até Orleães, que estava cercada pelos ingleses. Ela prometeu-lhe que, com a sua ajuda, seria coroado em Reims.
Joana foi interrogada longamente, bem como secretamente vigiada para confirmar a sua integridade moral, a sua pureza e fé. Mostrou-se inabalável e sincera nos interrogatórios, chegando a encantar e impressionar os examinadores com a sua sagacidade. O seu veredito foi confirmado.
Como seria de esperar, os comandantes franceses ficaram inicialmente descontentes por serem liderados por uma adolescente camponesa, mas o seu misterioso carisma e força prevaleceram, e ela conquistou a confiança deles. Viam em Joana a personificação das profecias em que todos depositavam as suas esperanças.
Antes da batalha, Joana enviou uma carta destemida e agourenta aos ingleses, assinando-a como "La Pucelle" (a Donzela). Aos dezasseis anos e sem experiência militar prévia — nem grande experiência de vida — Joana vestiu uma armadura branca, montou um cavalo branco, transportou uma bandeira branca e liderou o exército numa batalha triunfante no Cerco de Orleães, após quatro sangrentos dias. Com os seus gritos apaixonados de “Au nom de Dieu” (Em nome de Deus), ela liderou vários outros ataques, obrigando os ingleses e os seus aliados borgonheses a recuar, recuperando para os franceses a margem sul do rio Loire.
A esperança renovava-se à medida que os franceses reconquistavam o norte. A reputação de Joana espalhava-se com ardor, enquanto que a abençoada jovem guerreira liderava os franceses em vitória após vitória. A confiança de Carlos em Joana também crescia. Após uma vitória decisiva na Batalha de Patay, em julho de 1429, Carlos foi coroado rei , com o titulo de Carlos VII, na Catedral de Reims, com Joana ao seu lado. Joana queria prosseguir com a tentativa de reconquista da cidade de Paris. Contudo, Carlos estava cada vez mais preocupado, pois alguns na sua corte a alertavam para a excessiva influência de Joana d Arc. O ataque não teve sucesso, permitindo aos anglo-borgonheses de reforçar o seu domínio sobre Paris.
Meses depois, em 1430, enquanto Joana defendia Compiègne contra um ataque borgonheso, caiu do cavalo e foi capturada. Ficou aprisionada numa torre no Castelo de Beaurevoir durante meses. O Rei Carlos não tomou nenhuma tentativa para a resgatar ou para pagar um resgate. Joana mantinha-se sob constante ameaça de abuso por parte dos seus guardas, por isso continuou a vestir-se com roupas masculinas. Finalmente, os borgonheses venderam Joana aos ingleses, e esta foi levada a julgamento em Rouen, capital administrativa de França, num quartel-general militar inglês, sob acusações de heresia, bruxaria, idolatria e travestismo.
Um decreto em nome do Rei Henrique de Inglaterra foi emitido para os seus súbditos dizia: Há já algum tempo que uma mulher que se auto-intitula Joana, a Donzela, tem vindo a abandonar os modos e o vestuário do sexo feminino, o que é contrário à lei divina, abominável a Deus, condenado e proibido por todas as leis; ela armou-se e assumiu o papel de um homem, cometeu e executou assassinatos cruéis e, segundo consta, levou o povo simples a acreditar, através da sedução e do engano, que ela tinha siso enviada por Deus e que tinha conhecimento dos Seus segredos divinos, juntamente com vários outros dogmas muito perigosos, extremamente prejudiciais e escandalosos para a nossa santa fé católica.
Foi forçada a suportar interrogatórios extenuantes realizados por mais de quarenta juízes do clero, pró-ingleses. A liderar os procedimentos estava o bispo católico francês de Beauvais, Pierre Cauchon, que "tinha sido nomeado devido às suas habilidades processuais para julgar o caso: todo o seu passado, uma história consistente de apego à causa inglesa". Joana foi interrogada e assediada durante horas sobre a sua fé, as suas vestes e as suas afirmações de ouvi a voz de Deus, mas manteve-se corajosa. Ela surpreendeu os jurados com as suas respostas inabaláveis de ousadia e humor mordaz. A certa altura, ela retorquiu: "Dizes que és o meu juiz. Tem cuidado com o que fazes, pois, na verdade, fui enviada por Deus, e colocas-te em grande perigo".
O Rei Carlos VII não queria colocar o seu novo reinado em risco. Afinal, a sua recente coroação tinha sido garantida graças a esta suposta herege e bruxa. Além disso, pagar um resgate elevado poderia sabotar os esforços de guerra. Acreditava também que “não se podia permitir lançar uma sombra sobre o mandato do céu que tinha sido confirmado tão poderosamente pela consagração como rei em Reims... Havia todas as razões para deixar a Donzela entregue a qualquer destino que Deus tivesse planeado para ela” Escolheu manter-se “supino e indiferente”, abandonando a donzela guerreira a quem devia a sua vitória e coroa.
Os juízes de Joana continuaram a tentar apanhá-la em falsidades ou heresias, examinando as suas ações de acordo com os artigos da fé. Manteve-se desafiadora e impenetrável. Quando avisada de que, se não se submetesse, a Igreja a abandonaria e deixaria a sua alma ser consumida pelo inferno, toda a certeza da sua missão foi clarificada em cada palavra da sua resposta. ‘Não farás o que estás a dizer contra mim... sem que o mal se apodere de ti, corpo e alma.”
Finalmente, depois de ter estado em cativeiro durante um ano e de suportar o julgamento de quase cinco meses, Joana enfrentou o seu culminar e foi confrontada com os doze artigos de acusação. Depois de assinar apressadamente uma petição, rapidamente se retratou: "Não disse nem quis revogar as aparições que tive... Tudo o que fiz, fi-lo por medo do fogo e não revoguei nada, mas (a revogação) foi contra a verdade." Após confirmar tudo o que disse no julgamento, foi considerada culpada, e as autoridades seculares assumiram o controlo da sua execução. Em Rouen, na manhã de 30 de maio de 1431, Joana, com dezanove anos, foi queimada viva na fogueira até que o seu corpo ficou reduzido a cinzas e foi atirado para o rio Sena.
O guarda que acompanhou e apoiou Joana até ao cadafalso recorda: Com grande devoção, ela pediu para receber a cruz. Ouvindo isto, um homem inglês presente fez uma pequena cruz de madeira com a ponta de uma vara, que lhe deu e, devotamente, ela recebeu-a e beijou-a. (...) E ela colocou essa cruz no seu peito, entre o corpo e as roupas, e, ainda ,pediu-me, humildemente ,que lhe permitisse ter a cruz da igreja para que pudesse conservá-la continuamente diante dos seus olhos até à morte . Um observador recordou: “No fogo, ela gritou mais de seis vezes ‘Jesus’ e, sobretudo, no seu último suspiro, gritou em alta voz ‘Jesus!’ para que todos os presentes a pudessem ouvir. ” Joana abraçou as chamas do seu destino. Foi-lhe continuamente oferecida a liberdade do peso da sua missão e uma fuga aos terrores que a acompanhavam. Em vez disso, ela simplesmente procurou refúgio em Jesus contra aquelas forças atormentadoras e implacáveis. Ela entregou-se-Lhe inteiramente — a sua confiança, a sua obediência, a sua paixão, a sua lealdade e, por fim, o seu corpo. Em troca, Ele capacitou-a com uma coragem sem limites para cumprir a sua missão e ser uma testemunha ousada e inabalável na fé. George Bernard Shaw proclamou que Joana exemplificava o “um indivíduo extraordinário, representando a vida possivelmente no seu mais alto estágio real de evolução humana." Uma vida verdadeiramente bem vivida não é uma vida que vivemos para nós próprios; uma vida bem vivida é uma vida para Jesus e para a missão que Ele nos dá. O nosso desafio é mobilizar a coragem necessária para a concretizar, e isso exige a entrega a Jesus. A única forma de sermos fortalecidos pela cora gem de que necessitamos é entregando a nossa vida. Gertrud von Le Fort confirma: “A entrega a Deus é o único poder absoluto que a criatura possui”.
"Rezemos pela coragem da entrega de Joana d Arc. Que os nossos corações também se encham de humildade, que nossos ouvidos estejam atentos à voz de Deus e dos santos, e que os nossos olhos permaneçam firmes e constantes em todas as batalhas e interrogações Oremos pela coragem, que ultrapassa a nossa compreensão, necessária para alcançar a verdadeira liberdade — aquela que só é possível pela confiança em Deus e pelo impulso altruísta em cumprir a nossa missão na Terra."
Santa Joana d Arc, Rogai por nós
Tradução livre de
Maria do Rosário H. Mckinney